sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Carta pra uma Chef com uma missão

Gabi Zanini Hoffmann, talentosa jornalista, escritora, fez também faculdade de cinema. Trabalhamos juntas em grandes e desafiadores eventos. Passávamos nossas noites na preparação dos jantares e coquetéis sem sentir. O seu humor inteligente não deixava o cansaço chegar na equipe. Depois de ler essa carta, vocês entenderão porque eu me tornei amiga dessa pessoinha tão especial!
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“Minha querida amiga, você me pergunta sobre os felizes sabores da infância e prontamente eu penso em vários dos quais ainda posso sentir gosto e aroma, de tão marcantes.
Abro um sorriso largo.
Então me recordo que sabores de infância podem ser divididos em duas categorias: os que têm repeteco e os que não têm repeteco.
Aí tenho vontade de chorar.
Assim como o tempo apura nosso paladar, ele também nos ensina a segurar o choro. Mas no que diz respeito à comida, comigo é assim: falou em algo que não tem repeteco, as lágrimas vêm. Devem ser as mesmas lágrimas inibidas pelas ofertas de gostosuras, que na época cederam à chantagem gastronômica, agora querendo vingança.
É a avó que já não tem mais tempo para fazer os quitutes (ah, vovozinha, que saudade da época em que sua maior preocupação era a empresa “Netinhos S/A”...), o restaurante que ficou em outra cidade, o bar que fechou e virou prédio de luxo (ah, o bolinho de aipim do Caneco 70!), a cozinheira que pediu as contas depois de tantos anos te alimentando de um tempero acidental, dos bolos mais feios que você já viu (nunca julgue um livro pela capa!) e daquele maravilhoso quindão que sempre se espalhava pela travessa, de forma que, por fim, todos pegassem “colheradas” do doce, e não mais fatias...
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E, por último, a categoria dos doces sabores industrializados da infância que não voltam mais.
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Querida Chef, você já parou para pensar na quantidade de guloseimas industrializadas que aprendemos a amar de pequenos, seja por culpa de pais sem tempo para cozinhar, de campanhas publicitárias que já eram muito eficientes antes do Marketing virar moda (quem nunca comeu Danoninho com o dedo? Pediu pra mãe geléia de mocotó Colombo lembrando que ela ficaria com o copo?) ou da compatibilidade entre “o paladar do ser em desenvolvimento” e “anilinas + açúcar + conservantes”?
 Ice POP
Brava guerreira da cozinha (e amiga caridosa), te convoco para uma nobre missão: recuperar dos destroços das guerras de mercado as maravilhosas receitas descartadas pelas indústrias alimentícias que, desalmadamente, nos conquistam o apreço para depois nos deixarem órfãos!
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Descubra-se uma fórmula caseira para o meu inesquecível Danoninho de mel e para o Chantibon! Para as comidinhas das crianças que moram nas pessoas já grandes, como a queijadinha Panco, que durante anos foi meu conforto em crises de sinusite, a única coisa que tinha vontade de comer! Para o biscoito Grisbi de limão, que me consolou quando a queijadinha sumiu, para depois sumir também!
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Parece loucura, uma vez que esses produtos tentavam, em 1º lugar, imitar uma receita caseira? Mas é aí que está o mistério do sabor da infância: eles muitas vezes passaram a ser mais queridos que a receita original...
Nossa vingança será humanizá-los e disponibilizá-los democraticamente, livrando-os das lógicas de mercado e das intervenções químicas!
Se você topasse a gincana, Cris, poderia te explicar a textura e gosto de tudo isso.
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Se você vencesse a gincana, Cris, daria uma pequena grande lição moral na indústria, criaria guloseimas melhores ainda, veria mais uma vez uma comensal chorar de emoção e alimentaria de novos sabores de infância uma geração de velhas crianças.”
                                                                              Gabi Zanini Hoffmann